Descolonizar o olhar e o desejo em bell hooks

Marilea de Almeida
13 min readMar 23, 2021

Artigo

Mariléa de Almeida

Vivemos em um mundo imagético. Consumimos, compartilhamos e produzimos imagens o tempo todo. Muito do que consideramos belo e aceitável de ver e do que nos dá prazer foi sendo apreendido por meio do consumo de imagens. Por isso, as imagens são máquinas de produção de sentidos. E, como a gente não se relaciona com o mundo fora dos significados que atribuímos a ele, as imagens são, portanto, instrumentos poderosos na criação de imaginários e subjetividades.

Sabendo disso, bell hooks alerta que, vivendo em uma sociedade dominada pelo patriarcado capitalista supremacista branco imperialista [imperialist white supremacist capitalist patriarchy), a produção imagética tem sido central para a perpetuação da dominação. Uma vez que o monopólio de produzir e fazer circular imagens está na mão da branquitude, a construção imagética dominante produz o não branco como exótico, fixando estereótipos que, embora sejam imprecisos, não estão lá para dizer como as coisas são, mas para estimular e encorajar o fingimento. Os estereótipos são, assim, “fantasias, projeções sobre o Outro para torná-lo menos ameaçador. Estereótipos sobram quando existe distância (HOOKS, 2019a, p. 303).

De forma recorrente, a produção cultural destinada ao grande público, como filmes, programas de TV, música pop, lança mão de estereótipos para representar pessoas negras. As mulheres negras são retratadas como duras, raivosas, hiper sexualizadas, cujo valor está diretamente atrelado ao desejo por seu corpo, enquanto os homens negros têm seus corpos fetichizados, representados por meio de uma masculinidade violenta, não confiável.

bell hooks conta que começou a realizar crítica cultural ao perceber que, quando discutia com seus alunos e durante as palestras, independentemente de raça, classe ou gênero, todas as pessoas tinham ideias sobre as narrativas visuais, o que criava um espaço mais inclusivo do que apenas abordar conceitos abstratos do feminismo. Assim, ela aproveitava as produções culturais para tecer as interconexões de raça, classe e gênero. Essa interconectividade, segundo hooks, é importante porque mostra que não podemos modificar um aspecto do sistema sem modificar o todo (HOOKS, 2019b).

Em diversas obras, a cultura popular é objeto das análises de hooks, mas há pelo menos quatro delas, todas publicadas, nos Estados Unidos na década de 1990, em que ela se dedica exclusivamente ao tema, com duas traduzidas no Brasil: Anseios: raça gênero e políticas culturais (2019) e Olhares negros: raça e representação (2019); e duas publicadas apenas no Estados Unidos: Art on Mind: Visual Politics (1995) e Reel to Real: Race, Sex, and Class at the Movies (1996). Mas qual é a abordagem de bell hooks quando realiza crítica cultural? Será que basta apenas reagir à opressão? Basta opor as produções brancas às criações negras? Quais elementos estruturais configuram as produções?

O trabalho de hooks como crítica cultural ensina que é possível examinar uma produção artística cultural sem destruir o trabalho, ou a pessoa que o produziu. Ela se opõe à ideia generalizada de que quando realizamos a crítica de algo é porque não gostamos e, por isso, estaríamos usando nosso tempo para falar mal dessa coisa. Essa é uma ideia construída sob a lógica binária, à qual bell hooks se contrapõe ao colocar o acontecimento em perspectiva, de maneira que as lentes que ela utiliza permitem ver como a dominação do patriarcado capitalista supremacista branco imperialista se materializa na cultura popular. Em razão disso ela simultaneamente tece críticas contundentes sobre as práticas culturais construídas por pessoas brancas que seguem a lógica da supremacia branca, assim como não é condescendente com produções negras que, em seu entender, reforçam estereótipos. Ao mesmo tempo, ela defende que a crítica cultural não deve ser uma prática restrita aos especialistas acadêmicos, cujas análises, a seu ver, estão focadas no próprio desenvolvimento profissional. Uma vez que as imagens produzem efeitos na coletividade, elas devem ser discutidas amplamente, especialmente por grupos que não têm o poder de fazer com seus conhecimentos circulem.

Dito isso, percorreremos com mais detalhes alguns conceitos e temas que atravessam a crítica cultural em bell hooks, comosupremacia branca e mercado cultural; a negritude como commodity; a descolonização do olhar e do desejo; e a ideia de subjetividade negra radical como um devir. Para tanto, focalizaremos nos seguintes livros: Anseios: raça gênero e políticas culturais e Olhares negros: raça e representação.

Supremacia branca e mercado cultural

Na obra de bell hooks, o termo supremacia branca não está relacionado à ideia de pureza racial, mas às circunstâncias históricas que permitiram que a produção do conhecimento e as práticas culturais consideradas legítimas partissem exclusivamente do ponto de vista de pessoas brancas (HOOKS, 2019a). Em sua obra, ela mostra que existe uma conexão direta e persistente entre a dominação patriarcal capitalista supremacista branca imperialista e a naturalização de imagens estereotipadas sobre as pessoas negras na mídia de massa. Assim, ela detalha no trecho abaixo:

Muito antes da supremacia branca chegar ao litoral do que hoje chamamos de Estados Unidos, eles construíram imagens da negritude e de pessoas negras que sustentam e reforçam as próprias noções de superioridade racial, seu imperialismo político, seu desejo de dominar e escravizar. Da escravidão em diante, os supremacistas brancos reconheceram que controlar as imagens é central para manutenção de qualquer sistema de dominação racial. (Ibid.,, p. 33)

Nessa linha de análise, hooks afirma que a supremacia branca e o racismo não terão fim enquanto não houver uma mudança em todas as esferas da cultura, sobretudo na construção de outras visualidades sobre as pessoas negras. Porém, essas mudanças não são fáceis porque as imagens estereotipadas trazem dinheiro, fama e atenção.

A negritude como commodity

hooks afirma que a diferença negra começou a ser tratada como uma mercadoria nos Estados Unidos especialmente depois da luta dos direitos civis. Segundo hooks, o mercado cultural capturou os slogans da agenda política em torno da valorização da autoestima dos anos 1960, como “Black is beautiful”, “happy to be nappy”, usando a diferença negra para aquecer vendas. esse processo, a negritude se transforma em uma commodity (Ibid., , pp. 81–85). Commodity é um termo da economia que significa, literalmente, mercadoria, designando um tipo particular de produto em estado bruto, ou seja, de baixo valor agregado. Trata-se de bens que não sofrem processos de alteração ou que são pouco diferenciados (SANDRONI, 2016).

A comodificação da negritude, ou seja, sua transformação em produto ocorre quando a diferença negra é esvaziada de suas nuances e singularidades. O que vende é, então, o estereótipo e a representação em sua acepção mais superficial. hooks explica que esse processo de comodificação está atrelado à transformação da negritude em outridade, cuja noção aqui não se refere ao Outro no sentido psicanalítico ou etnográfico, mas diz respeito àquela pessoa que está próxima da convivência, cujas diferenças como raça e gênero são tratadas como exóticas. Assim, ela examina as conexões entre transformar a negritude em outridade e o processo de comodificação, apontando que, nesse processo, desejo, prazer e deleite estão imbricados:

A comodificação da Outridade tem sido bem sucedida porque é oferecida como um novo deleite, mais intenso, mais satisfatório que os modos normais de sentir. Dentro da cultura das commodities, a etnicidade se torna um tempero, conferindo um sabor que melhora o aspecto de merda insossa que é a cultura branca dominante. Tabus culturais acerca da sexualidade e do desejo são transgredidos e tornados explícitos conforme a mídia bombardeia as pessoas com mensagens de diferença que não estão baseadas na premissa supremacista branca de que “as loiras se divertem mais. A verdadeira diversão é trazer à tona todas aquelas fantasias e desejos inconscientes “obscenos” associados ao contato como o Outro, incrustados na estrutura profunda secreta (nem tão secreta) da supremacia branca De várias formas, é uma retomada do interesse no primitivo, com um viés pós-moderno. (HOOKS, 2019a, p. 66)

Notemos que a outridade negra encontra expressão como mercadoria para satisfazer os desejos, já que para a supremacia branca os encontros com o outro, representado como exótico, são considerados mais excitantes, mais intensos e mais ameaçadores. O fascínio está, assim, na combinação entre prazer e perigo (Ibid., , p. 73).

Um exemplo desse fascínio e perigo se expressa na análise que hooks realiza sobre o trabalho da cantora pop Madonna — vale pena lembrar que essas críticas focalizam os primeiros trabalhos da artista. No artigo, “Madonna: amante da casa-grande ou irmã de alma?”, publicado no livro Olhares Negros, hooks detalha como os modos como cantora se apropriou de aspectos da negritude colaboram no reforço da supremacia branca. Segundo bell hooks, Madonna se posiciona como forasteira da cultura negra, em uma posição que lhe possibilita colonizar e se apropriar da experiência negra para fins oportunistas, mesmo quando tenta mascarar seus atos racistas como gestos de reconhecimento. bell hooks considera que o fato de Madonna, no início de sua carreira, não ser naturalmente loira e pintar o cabelo, não pode ser compreendido como uma escolha meramente pessoal, mas informa o fato de que as loiras expressam a noção de pureza e superioridade racial. Em uma sociedade racista “as loiras não apenas se divertem mais” como “têm mais possibilidades serem bem-sucedidas em qualquer iniciativa”. hooks lembra que nos EUA as melhores loiras, como Jean Harlow (1911–1937), Marilyn Monroe (1926–1962) e Brigitte Bardot (1934-) eram todas morenas (HOOKS, 2019a, p. 283).

Sobre o misto de fascínio, prazer e inveja, hooks destaca que Madonna, em uma entrevista, afirmou que, quando criança, sentia inveja da cultura negra, declarando que gostaria de ser negra naquela época. Para hooks, essa declaração sinaliza o privilégio branco de ver a negritude e a cultura negra de um ponto de vista em que as pessoas negras são definidas apenas pela rica cultura e pela alegria. Essa perspectiva permite que a pessoa branca ignore a dominação supremacista branca e a dor que ela causa nas pessoas negras:

Para pessoas brancas que não veem a dor negra nunca entendem a complexidade do prazer negro. E não surpreende então que, quando tentam imitar a alegria de viver que enxergam como a “essência” e a alma da negritude, suas produções culturais possam ter um ar farsesco e uma falsidade que podem atiçar e mobilizar ainda mais públicos brancos, embora deixem as pessoas negras indiferentes. (Ibid., p. 282)

Em suma, hooks, em todo o artigo, descreve, por meio de inúmeros exemplos, que apesar de ser Madonna fascinada e, ao mesmo tempo, invejosa do estilo negro, vários elementos de sua obra não são tão transgressores quanto sugerem ser, especialmente porque ela mantém intactos diversos aspectos da superioridade branca.

Novamente tecendo crítica à supremacia branca, no artigo “Representações: feminismo e masculinidade negras”, publicado no livro Anseios, hooks descreve como o cineasta Steven Spielberg, no filme Cor Púrpura, de 1985, fixa a imagem dos homens negros como brutais. O filme, baseado no livro de Alice Walker, não levou em consideração todo o arco de transformação do personagem Mister, narrado por Walker que, sem negar os aspectos de violência, criou um personagem complexo, com nuances. No filme, a masculinidade negra de Mister é, no entanto, fixada na brutalidade (HOOKS, 2019b, p. 151):

Com o romance completamente eclipsado pela interpretação feita por Steven Spilberg para o cinema, o público se esqueceu do ponto de vista de Walker. No filme, Spilberg preferiu não exibir graficamente a transformação de Mister. Em vez disso, destacou imagens que representavam os estereótipos racistas preexistentes da masculinidade negra como perigosa e ameaçadora.

Se hooks não poupa crítica às produções de artistas brancos, tampouco se mostra condescendente com as criações negras. Ela afirma que o racismo internalizado e o consumo constante de representações odiosas, em especial nos domínios da cultura popular, favorecem produções que seguem os mesmos padrões da cultura dominante, embora pessoas negras tenham se tornado produtoras, diretoras e roteiristas. Segundo ela, no contexto dos EUA, desde a década de 1990, houve um aumento de indivíduos negros que se tornaram super-ricos produzindo cultura popular, mas que várias dessas produções mantiveram adoração e a reverência da estética e dos valores da supremacia branca (HOOKS, 2019a).

No artigo “Vendendo uma buceta quente: representações da mulher negra no mercado cultural”, publicado no livro Olhares Negros, hooks aponta como artistas e produtores negros também podem reproduzir em seus trabalhos estereótipos sobre as mulheres e homens negros. hooks detalha, por exemplo, como a cantora Tina Turner, que construiu sua carreira por meio da imagem da mulher negra selvagem e devoradora, sofria nos bastidores violência e assédio de seu marido, Ike. Assim hooks mostra, nesse sentido, como

a carreira de Tina Turner como cantora foi baseada na construção de uma imagem da sexualidade da mulher negra que foi transformada em sinônimo de luxúria animalesca selvagem. Estuprada e explorada por Ike Turner, o homem que criou essa imagem e a impôs […] (Ibid., p. 138)

A força dessa imagem era tão forte que, mesmo depois de se separar de Ike, Tina Turner continuou usando-a para alavancar sua carreira. No mesmo artigo, hooks afirma que homens negros como Eddie Murphy, Arsenio Hall, Chuck D e Spike Lee exploraram cegamente a comodificação da negritude e a masculinidade negra como exótica.

Por exemplo, hooks considera que o diretor do filme Os donos da noite (1989), de Eddie Murphy, dramatiza as fantasias do patriarcado negro, reinventando histórias do Harlem para que os homens negros não parecessem covardes, incapazes de confrontar os homens brancos racistas. Daí, os homens negros são retratados como durões e violentos, como quem não leva desaforo para casa (HOOKS, 2019a, p. 198).

No filme Ela quer Tudo (1986), de Spike Lee, a personagem central, Nola Darling, por trás da aparente liberdade sexual, não rompe com padrões machistas. Ao final do filme, ao receber a pergunta “De quem é essa buceta?” de um dos seus amantes enquanto ele a estupra, ela não consegue responder , situação que mostra que a personagem não tinha agenciamento pleno sobre sua sexualidade (Ibid. ).

Pra bell hooks, essas produções romantizam e naturalizam a misoginia, em queas pessoas negras são retratadas como disfuncionais e ninguém é cuidado, amado ou realizado emocionalmente (HOOKS, 2019a). Vale destacar que, nos Estados Unidos, no mesmo momento em que essas produções estão sendo realizadas, estavam sendo publicadas importantes obras de feministas negras que questionavam modelos de masculinidade e feminilidade negras, construídos sob a dominação patriarcal e racista.

Descolonização do olhar e do desejo

hooks alerta que o processo de descolonização passa pela luta coletiva por autodefinição:

Uma vez que, passados os anos 1960, tantas pessoas negras sucumbiram à ideia de que sucesso material é mais importante do que a integridade pessoal, a luta pela autodefinição dos negros que enfatiza a descolonização e o amor pela negritude tiveram pouco impacto. Enquanto as pessoas negras forem ensinadas a rejeitar nossa negritude, nossa história e nossa cultura como única maneira de alcançar qualquer grau de autossuficiência econômica, ou ser privilegiado materialmente, então sempre haverá uma crise na identidade negra. O racismo internalizado continuará a erodir a luta coletiva por autodefinição. Massas de crianças negras vão continuar a sofrer de baixa autoestima. E, ainda que sejam motivados a se empenhar ainda mais para alcançar o sucesso, porque desejam superar os sentimentos de inadequação e falta, esses sucessos serão minados pela persistência da baixa autoestima. (HOOKS, 2019a, p. 60)

Nesse trecho, hooks chama atenção para o fato de que é difícil resistir, ou seja, produzir imagens outras quando nossas obras criativas são moldadas por um mercado que reflete valores e preocupações supremacistas. Porém, igualmente em várias de suas obras, hooks ressalta que a arte continua sendo o ambiente criativo onde tudo é possível, especialmente quando não se busca criar um produto que atenda aos interesses de mercado.

A esse respeito, tratando da década de 1980, hooks cita artistas negros que estavam produzindo obras que abordavam a negritude em sua complexidade, fugindo dos estereótipos, como os filmes do coletivo negro britânico Sankofa e de cineastas negras como Camille Billops, Kathleen Collins, Julie Dash, Ayoka Chenzira, Zeinabu Davis, entre outras. Ao mesmo tempo, surgiam obras sobre crítica de cinema organizadas por mulheres negras, como a antologia The Female Gaze: Women as Viewers of Popular Culture (1988), organizada por Lorraine Gamman e Margaret Marshment (Ibid.). No artigo “Olhar Opositor: mulheres negra espectadoras”, hooks descreve esse contexto:

Mulheres negras escreveram pouco sobre suas perspectivas como espectadoras, sobre nossas práticas ao ir ao cinema. Um corpo crescente de teoria de cinema e crítica escrito por mulheres negras só agora começa aparecer. O silêncio prolongado das mulheres negras como espectadoras e críticas era resposta à ausência, à negação cinematográfica. (Ibid., , p. 220)

hooks considera que as construções mais fascinantes da subjetividade negra e do pensamento crítico frequentemente surgem de escritores, críticos culturais e artistas que se encontram à margem de diversas práticas (HOOKS, 2019b). Margem para bell hooks é um espaço de abertura radical, uma poderosa ferramenta de resistência coletiva. Não se trata de uma noção mítica ou romântica da marginalidade, mas de produzir a partir de um ponto de vista que busca a descolonização. São produções que colaboram para que nós, pessoas negras, nos desloquemos de um modelo de crítica que focaliza apenas a representatividade das imagens como sendo boas ou ruins. Esse modelo está fundamentalmente conectado ao dualismo metafísico ocidental que, em última análise, serve de base filosófica para a dominação racista e machista. Por isso, para hooks, descolonizar é um ato complexo que envolve ambos, colonizador e colonizado (HOOKS, 2019a. No caso de pessoas brancas

Que, somente exprimindo seus desejos por contato “íntimo” com pessoas negras, pessoas brancas não acabam com a política de dominação racial em interações pessoais. O reconhecimento mútuo do racismo, seu impacto nos dois, em quem é dominado e em quem domina, é o único ponto que torna possível o encontro entre raças que não seja baseado em negação e fantasia. (Ibid., p. 76)

O ponto central de bell hooks quando se trata de crítica cultural não é a oposição entre “nós” e “eles”, mas o ponto de vista que está sendo construído. Para as pessoas negras, a descolonização do olhar, segundo ela, sugere a construção de uma subjetividade outra, definida por ela como subjetividade negra radical.

Subjetividade negra radical

Para bell hooks, a subjetividade negra radical diz respeito a um devir:

Para que possamos retirar a centralidade do outro opressor, recuperando nosso direito à subjetividade, é fundamental que insistamos em determinar como somos, sem depender de respostas colonizadoras para estabelecer nossa legitimidade. Não estamos à procura do reconhecimento desse Outro. Nosso reconhecimento parte de nós mesmos e do desejo de manter contato com todos aqueles que se unem a nós de maneira construtiva. (HOOKS, 2019b, p, 68)

A construção da subjetividade negra radical não é uma prática reativa, pois envolve simultaneamente processos complexos de autodefinição e autorrecuperação a fim de criarmos espaços outros de subjetivação. Daí, a necessidade produzirmos e disseminarmos imagens sobre nós que respeitem nossas dessemelhanças, nossas contradições, nossa humanidade cujas narrativas imagéticas se oponham radicalmente à transformação da negritude em produtos de baixo valor agregado no mercado da diferença. É por meio desse processo que pessoas negras se deslocam do auto-ódio introjetado pelas imagens colonizadoras em direção ao amor à negritude. A pergunta central nesse percurso é: a partir de qual perspectiva política desejamos, olhamos, sonhamos, criamos e agimos?

Referências bibliográficas

HOOKS, bell Olhares negros: raça e representação. Trad. Stephanie Borges. São Paulo: Elefante, 2019a.

_____. Anseios: raça, gênero e políticas públicas. Trad. Jamille Pinheiro. São Paulo: Elefante, 2019b.

SANDRONI, Paulo.“Commodity”. In: Dicionário de Economia do Século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2016.

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Marilea de Almeida

Professora e Pesquisadora. Doutora em história. Ensaios, poesias e contos sobre encruzilhadas, entre lugares e o meio do caminho.